A MENINA



A história de uma menina e uma palavra

Espetáculo leva aos palcos os questionamentos de uma menina que tenta descobrir o que significa “desquitada”, numa época em que mulheres separadas  eram discriminadas pela sociedade.


Foto: Ariny Bianchi
            Até que ponto uma dúvida pode nos levar? Para Ana Lúcia, personagem do espetáculo capixaba A Menina estes questionamentos criam novos sentidos para uma palavra com significado desconhecido por ela. A palavra em questão é “desquitada” e a história é contada por Ana Lúcia adulta, que mergulha em suas lembranças e compartilha com a plateia o momento em que foi provocada na escola por ser filha de uma mãe separada. 
              
               
Adaptação do premiado conto Menina, do escritor mineiro Ivan Ângelo. O solo, dirigido pela cineasta Virginia Jorge e interpretado pela atriz Fabiola Buzim, conta de forma lúdica a história dessa personagem que cresceu em um período onde os casais que se separavam não tinham o direito de se casar novamente. Os “desquitados”, proibidos de receber a comunhão, eram considerados “transgressores arbitrários das leis divinas e humanas”.

É bem verdade que hoje não se fala mais em “desquite”, a lei do divórcio foi aprovada em 1977 pelo senador Nelson Carneiro, mas a proposta do espetáculo é refletir a respeito desses preconceitos que sempre existiram porque as sociedades não estão preparadas para lidar com as diferenças. E a produção tem uma encenação intimista, quase como uma conversa, privilegiando o ator e sua relação com o público.
Foto: Ariny Bianchi
 Apesar de ser um solo, a personagem nunca está só no palco, pois dialoga com a plateia, com a luz, com o cenário, com a mãe, com as amigas, e traz questionamentos da vida diária, abrindo o mundo feminino para o público. A menina constrói seu pensamento como quem costura uma colcha de retalhos e o que o público presencia são momentos de pura experimentação - ora das lembranças, ora simplesmente das palavras que perdem e ganham sentidos diferenciados.

Mudam os alvos, permanecem os preconceitos: a menina que está acima do peso, o menino que se descobre homossexual, o cidadão que é tido por marginal porque mora em uma favela. A palavra “desquitada” hoje poderia ser “bicha”, “sapatão”, “favelado”, enfim, palavras que ganham as mais diversas conotações preconceituosas.

Foto: Ariny Bianchi